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[O tempora! o mores!]


Ilustração de Francisco Lameirão
Ilustração de Francisco Lameirão
(Não cheguei a perceber se é elogiosa ou não...)

Surpreender-te-á, casto leitor, encontrar-me a mim — ilustre2 retórico, gramático, linguista e etnógrafo — encontrar-me, dizia eu, nestas páginas, paredes meias com a depravação e a iniquidade. Não soçobres, porém, pois não fui eu também enredado nas pérfidas malhas dos incréus: a Virtude ainda guia meus passos, meus dizeres, meus fazeres!

À semelhança do beguino Padre Damião, que deambulou entre os leprosos, a partir deste momento eis que enveredo numa Cruzada pela moralização do Eito Fora e resgate de seus incautos leitores, não sem riscos para minha própria alma! Minima de malis, ad majorem Dei gloriam!

Sei que, tal como a Pérgamo apocalíptica (2:13), continuas muito ligado a mim, que em teu coração ainda mora a pureza, mas mesmo assim aceitas em tua casa este jornaleco pestilento e blasfemo. O Eito Fora é a Nova Babilónia da imprensa regional — seduz com sua capa colorida, inebria com seu grafismo, tal qual as jóias e o odor a sândalo da Grande Prostituta.

Ainda na edição de Fevereiro me foi dado reparar em dois artigos a que uns ímpios tiveram a impudicícia de dar forma de letra. Refiro-me a El Gran Masturbador, de Maria Filomena, e a “Sexo Oral”, de Fernando Gouveia.

Maria Filomena fere duplamente a decência do leitor recatado: à velada apologia da polução improdutiva — matéria já de si suficiente para condenação — há a somar a condição de mulher da escrevente. Lembremos as prédicas do ditoso J. Bouchet em Les Triomphes de la noble et amoureuse dame (publicado recentemente, em 1541), obra maravilhosa e prenhe de verdades eternas: «Para além da castidade, a mulher deve ser pudica nos dizeres, olhares e contenção, e abster-se de coisas próximas da lascívia, tal como não deve ouvi-las. O seu comportamento deve ser humilde e envergonhado, [...], e deve abster-se de ser descarada [...]»3 Vêm-nos, por contraponto, à memória as lúbricas referências a um certo decote, e aos efeitos por ele operado num desavisado ancião. Decorum, non denudare, diz-nos o apotegma — e com que verdade! ó com que verdade!

Fernando Gouveia peca de modo diverso, mas não menos réprobo: não obstante a sua condição superior de varão, logo imagem do Criador feita carne, deixou este antigo catecúmeno meu iludir-se pelo erro laicizante. Lembro aqui sábias palavras: «Do ponto de vista filosófico e científico mais rigoroso, o homem laico, o homem [...] de todos esses tarados e não-evoluídos do livre pensamento, é um monstro cujo desenvolvimento estagnou num estádio inferior.»4

O encontro de um homem e de uma mulher é uma coisa sagrada, não é algo para expor aos olhos dos (fisica ou intelectualmente) impúberes; é um dom de Deus, não é um divertimento para praticar a eito, ab hoc et ab hac. Escrever sobre sexo é impuro — tal foi reservado aos teólogos, sabedores que são de seus perigos, conhecedores como outros não há de seus remédios: Faciendo, manu.

Surge este espaço em boa hora: numa altura em que o estio desnuda os corpos e a volúpia expõe as formas salomeicas, arrastando até o mais pio entre os pios para a concupiscência.

Por isso, afasta teus olhos destas páginas — afasta-os, tu que me és caro! Aos demais — aos que falta a firmeza de espírito necessária — digo: tenham em mim um paladino de vossas almas. Não vergarei perante as agruras do caminho: Ad augusta per angusta.

Até à próxima epístola-batalha!

Monsenhor Agapito Laranjeira

Notas:

1 «Ó tempos! ó costumes!» (Cícero, Catilinárias, I, 1). [voltar ao texto]

2 Estatuto por lapso não confirmado no primeiro volume do Dicionário dos Mais Ilustres Transmontanos e Alto Durienses, mas cuja homologação se espera célere, num próximo volume. [voltar ao texto]

3 Citado por Guy Bechtel em A Carne, o Diabo e o Confessor, Publicações Dom Quixote, 1998, p. 172. [voltar ao texto]

4 Les Voix de la cathédrale, boletim paroquial de Saint-Etienne de Saint-Brieuc, 20 de Abril de 1952 [citado por Guy Bechtel, op. cit., p. 175]. [voltar ao texto]


símbolo do jornal 'Eito Fora' Publicado originalmente no número 7 do jornal Eito Fora, de Abril/Maio de 1999. voltar à página inicial

© 1999 Monsenhor Agapito Laranjeira
Design do sítio: “Os Cordeirinhos de Deus” (grupo de jovens da paróquia de Couto).
© 1999 Francisco Lameirão (ilustração)

© 1998 Eito Fora (Andarilho, símbolo do jornal)

Todo o Verdadeiro Cristão é exortado a divulgar estes textos, no respeito pela Doutrina da Santa Madre Igreja e pelas tradições multisseculares da Igreja Católica Portuguesa. Roga-se — no entanto — o obséquio de dar o devido crédito ao autor dos mesmos, Monsenhor Agapito Laranjeira. Este site é uma paródia. Monsenhor Agapito Laranjeira é uma personagem de ficção criada por Fernando Gouveia (http://secretarea.8m.com/)


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